Stranger Things, uma análise... - 24 Quadros

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Primeiro vêm o boom, o bafafá das pessoas que veem as séries. Geralmente ela é boa, motivo esse que faz todo mundo ver. Então parece que as coisas se dividem. Há aqueles que não vão ver por aquilo ser uma “modinha”, e tem aqueles que vão ver só por que todo mundo está falando. Os primeiros sofrem alguns riscos que podem mudar suas vidas... deixar de ver algo realmente bom é uma delas. Os que se encaixam do outro lado correm riscos similares, verem algo que não é tão bom assim.
Eu estive do lado dos curiosos que decidiram ver, e graça aos deuses, fui recompensado com uma ótima série. Stranger Things conseguiu conquistar um enorme público, não apenas aqui no Brasil, mas mundialmente. Muitos deles se tornaram fãs imediatamente da série, por motivos de certa forma pouco explicados. O que se vê sobre ela é a respeito do elenco, da trilha sonora, noticias já sobre uma nova temporada, além da recepção do público. Pesquisei no Google e foi isso que eu vi.


            Agora... Por que a série é boa? Há sempre um mistério por traz da maioria das séries e filmes que fazem sucesso. Aqui  vou tentar apresentar alguns aspectos da série, do meu ponto de vista, que fizeram muita, mas muita gente mesmo, gostar de assistir. 
            Stranger Things, acima de qualquer outra coisa que falarei nas linhas seguintes, é uma série que consegue entrar em sintonia com todos nós. Se não por inteiro, de certo, em algum pedacinho desse ser vivo que é você. Vou contar-lhes um pequeno segredo de escritores: para algo fazer sucesso, um dos pontos que deve ser atingindo é a simpatia, e principalmente a empatia. (A respeito da arte de contar história, clicar aqui). Essa é a mágica. O mistério, e em muitos casos a dificuldade de todo escritor. Stranger Things primeiramente faz sucesso graças aos seus diretores Matt e Ross Duffer – conhecidos mais como Irmãos Duffer –, também roteiristas dos primeiros episódios.  Deles vieram toda a criação da série, sua ideia e toda sua base cinematográfica quanto da própria história em si. A criação dos personagens então são todos frutos desses dois, e a escolha das personalidades e características que cada um deles ganha é uma peça chave que não faz nossos olhos desgrudarem da TV.


           
               A escolha do time foi primordial para criação da história. Somos apresentados logo de inicio a um grupo crianças; amigos em um de seus melhores momentos juntos: jogando RPG. Finn Wolfhard dá a cara ao personagem Mike Wheeler, que mestra a mesa assim como grande parte das ações na trama, é dele o papel de ser a pedra fixa, aquele que tem esperança mesmo quando todos não tem, dele vem a vontade e as iniciações, assim como inspiras seus colegas e os manter unidos ao longo da jornada; Gaten Matarazzo é a face de Dustin Henderson, claramente visto como o arquétipo de pícaro, aquele encarregado de apontar as besteiras e que funciona como a válvula de escape da tensão com suas piadas, referencias e seus sorrisos sem dentes. Caleb McLaughlin da vida ao histérico e chato Lucas Sinclair, talvez o mais realista do grupo, mas que apresenta ainda sim um sentido de lealdade a seus amigos. No entanto nele se encaixa o papel do arquétipo de camaleão, o mais mutável dentre os amigos, que em certo ponto da história cria conflitos com eles. O quarto integrante do grupo é Will Byers (Noah Schnapp), pouco explorado por um dos motivos óbvios, ele desaparece e da inicio de fato à história, com todos a sua procura.

            Comum em muitas histórias, quando um some, outro aparece para tomar o lugar, e esse papel foi maravilhosamente recorrido à Eleven (Onze), ganhando vida pela excelente atuação da amável Millie Bobby Brown. Uma desconhecida, e até onde sabemos, um “animal” de laboratório. É dela o dever de roubar todos os nossos corações com o seu jeito quieto, amedrontado, mas que ao pouco vai se ligando ao grupo de amigos e principalmente a Mike, construindo ao longo da narrativa lealdade, ora como uma irmã para ele, ora como algo a mais. Millie Brown deve ser destacada dentre essa análise pelo simples fato que ela conseguiu cativar o público. Tão jovem, apenas 12 aninhos, apresentou uma excepcional atuação no papel de uma menina que teve seu cabelo raspado e serviu como experimento desde que era apenas uma bebê. Fruto disso, sua inocência, vocabulário limitado, seu modo amedrontado, mas ainda assim confiando em seres humanos (alguns, claro), juntamente com o grande mistério dos poderes telecinéticos, e principalmente com as expressões faciais delas, são o que fazem Eleven se tornar uma protagonista marcante em série, e uma das que as pessoas mais vão se lembrar.
            A escolha desse grupo de crianças, que iriam à busca de seu amigo desaparecido, é o motivo de encantar muitas pessoas. Personagens que durante todo o tempo vão fazer aquela conexão com nossa infância e com nossa criança interior: é jogando RPG, discutindo entre si, enfrentando as coisas juntas, desobedecendo as ordens dos pais, tendo “regras” de amizade... Para simplificar, utilizando a frase de uma amiga minha, ver Stranger Things é Nostálgico.  Aqui eles não cansam de tirar suspiros e nervosismo de nós, à la aqueles clássicos filmes de suspense e terror, em que todos sabem que entrar num lugar sombrio ou ficar sozinho vai dar merda... até os próprios personagens sabem disso, mesmo assim eles seguem firmemente (apesar do medo), pois ainda há uma criança desaparecida.

Apesar de ser personagens comuns em histórias, a forma da narrativa e a construção da história conseguem camuflar um pouco esses arquétipos tão usados. O que abre porta para falarmos da história.                                              
            
Visto de longe e friamente ela é simples. Básica de tramas de mistério e suspense. Pessoas a procura de uma criança, e ao longo vão descobrindo mistérios muito maiores e com aquele medo constante de que o procurado está morto ou não. Num certo momento são confrontados com esse “inimigo” maior, descobrindo se são páreos ou não para eles; no final, as coisas jamais serão as mesmas para eles... No entanto, ela apresenta alguns bons pontos que são alguma espécie de novidade. Na história, não é apenas o encantador grupo de amigos que está procurando Will. Vemos, de certa forma, três núcleos que também estão atrás dele à sua maneira. O primeiro, como já dito, é o do grupo de amigos. O segundo apresenta das perspectivas do Delegado da pequena cidade de Hawkins – Indiana, EUA –, Jim Hopper (David Harbour,) em que de inicio se apresenta como realista, mas ao se juntar posteriormente à considerada “louca” pela população, Joyce Byers (Winona Ryder), mãe de Will, que nunca desiste de ir atrás do filho, investiga junto e enfrentam situações sobrenaturais. Outra surpresa que acaba ganhando todo o nosso apoio... O que uma mãe faria se seu filho sumisse, tendo aquele único pingo de esperança (mesmo ele parecendo louco) de que vai encontra-lo? Ela conseguiu nosso apoio, pois nunca desistiu, e apesar de que parecesse perder a cabeça, não se importou pelo que os outros achavam e sim agiu – diferente de muitos.


O terceiro núcleo está nos ombros de Nancy Wheeler (Natalia Dyer), irmã de Mike, e Jonathan Byers (Charlie Heaton), irmão de Will. Um dos pontos fracos da série para mim está aqui, em seu “triangulo amoroso”, ou algo mais ou menos assim. Foi, de certa forma, desnecessário e previsível, e que provavelmente poderia ter sido explorado de um jeito bem diferente. No entanto... vamos a mágica. Ela acontece quando dois desses núcleos estão juntos, mas sem um saber o que o outro sabe! Uma das grandes sensações que tive vendo Stranger Things foi angustia, angustia por saber o que cada um daqueles três sabiam e estavam fazendo, mas não interagindo entre si. Então era saber que as crianças sabiam, o time dos irmãos sabiam... e mesmo assim as pessoas achando que Joyce Byers estava louca.
Era saber que Mike estava já considerando Eleven sua amiga, enquanto o xerife estava começando a investigação sobre uma menina desaparecida... é saber que Nancy e Jonathan acreditavam agora em sua mãe, pois tinha uma prova viva sobre a criatura.. e decidirem enfrentarem aquilo sozinho. A angustia então foi o que ditou grande parte da série, e dela faço ponto a todos os outros sentimentos e emoções que tivemos assistindo: dor, insanidade, desespero, raiva, ódio... todos apresentados de forma brutal e sem dó, protagonizado muito por Eleven, por sua história, pelas coisas que passou. Mas é justamente dela que vemos o outro lado: timidez, felicidade, sorrisos, lealdade e amor. Laços humanos que se criam apesar de um cenário desesperador, em que a morte sempre está nos rodeando.  Uma das grandes lições que a série apresenta pode ser muito bem apresentada pela fala de Gabriel García Márquez: “E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida”.
  

O papel de qualquer contador de história está em transmitir uma ideia... ela pode ser emoções, frases, pensamentos; simples ou extensas, drásticas ou pequenas. Podem ser sentimentos e lembranças. Seja o que for, o escritor, o roteirista, o diretor... esses encarregados de nos entreter tem que ter algo a apresentar, e muito disso parte deles próprios, de suas lembranças e emoções. Parece simples falar, friamente apresentado a vocês, mas na mais dura realidade, isso é um dos maiores trabalhos de um contador de história. Se vocês gostam de uma série, de um filme ou livro, o tipo de gostar muito, tenha toda certeza que é porque seus criadores conseguiram alcançar o objetivo, transmitir a ideia apresentada desde o começo até o fim. Em seriados é um trabalho mais árduo, recompensando com o maior tempo para se trabalhar; e é comum vermos muitas séries que tem tudo para serem boas, mas que se perdem no caminho, ou que no final parece faltar algo. Aqui está algum tipo de resposta ao sucesso da série. Como dito, aprece extremamente simples falar assim, mas no papel ou nas telonas o papo é outro. Mas uma vez acertado, uma vez aquilo entrando dentro de você, aquecendo ou esfriando seu peito, a mágica acontece, os sentimentos, as lembranças, as emoções, as memórias, as falas e os olhares veem.
    

Juntamos isso, os personagens, suas carismas e suas falhas, as emoções e sentimentos que gera – num cenário à la Steven Spielberg e Stephen King, com uma trilha sonora que amplifica toda essa mistura – uma forma de se contar uma história... não, perdão, agora eu vou me corrigir, ser humilde e afirma que é uma grandessíssima forma de contar uma história, uma que consegue entrar em contato com qualquer pessoa, do mais velho pro mais novo, do experiente ao inexperiente, dos que fazem uma resenha assim, de nariz empinado achando que ta escrevendo alguma coisa nova àqueles que apenas sentem o prazer de assistir coisas boas. No final é apenas isso que faz Stranger Things ser uma ótima série, conseguir fazer os analistas mais frios sentirem os mesmos sentimentos que aquelas crianças sentem, e, por instantes que viram horas, eles se emergem na série, nas angustias e nos sorrisos, querendo cada vez mais fazer parte de tudo aquilo.